sexta-feira, 22 de abril de 2011

Vocação I


É preciso haver paixão... A paixão que nos faz pensar que tudo o que vivemos vale algo mais; a paixão que nos faz levantar com um ânimo renovado a cada manhã e que nos deixa perplexos diante das mais simples venturas do cotidiano. É necessário que tenhamos em nossas vidas a chama que nos leva do chão à metafísica realidade de não pensar em nada além do que se é banal. É preciso observar a dosagem das nossas obsessões, para que no fim, não sejamos apenas círculos infinitos de desejos e decepções.
Há tempos não compreendemos o significado da palavra vocação. Vocação vem do latim vocacio, que significa “chamado”. A vocação significa, entre outras atribuições, um forte impulso ou inclinação para exercer determinada atividade ou carreira. Ora, o desuso desta palavra é tão somente o espelho das nossas relações profissionais, que tomaram um sentido inercial rumo ao distanciamento das nossas convicções e desejos.
O chamado que outrora era fator de decisões, hoje é suprimido de tal forma, que não o percebemos mais. Podemos dizer que o mercado de trabalho, retratando os moldes da nossa sociedade, nos coagiu de forma encantadoramente passiva, causando assim uma imensa demanda focada em setores carentes de mão de obra qualificada, de quando em vez, que nos promete lucros substanciais, mas que não se preocupa com o bem estar social. É o capitalismo nu e cru.
Fazer o que se gosta é uma utopia, que só se fundamenta através de realizações encomendadas por uma ditadura interior. Os olhos têm mais poderes que as leis. Poderia citar milhares de ofícios abandonados em nome do progresso e não seria de mal grado citar inúmeros cursos que são criados a cada dia para preencher as lacunas abertas pelo crescimento desenfreado que nos cerca. Contudo, os talentos que estão por vir, nada mais são do que ferramentas intelectuais. Uma nova revolução é desenhada nos moldes da revolução industrial. Jovens são direcionados às universidades e aos cursos técnicos que são convenientes para o mercado, que por sua vez, seleciona entre eles, novos prodígios.
E assim vamos seguindo nossas vidas... Profissionais cada vez mais qualificados e menos talentosos, o triunfo da técnica sobre o desejo disciplinado. A linha de montagem das nossas vidas passa por uma reestruturação desnecessária, mas de grande conveniência àqueles que comandam as mídias e governam em nome dos grandes empresários. Fazem o que lhes convém e permitem que se possa sonhar. Sonho que se sonha junto, mas que está longe de se tornar realidade. Quod nimium est laedit*.

*O que é excessivo prejudica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário