sábado, 26 de março de 2011

Levantado do chão (Carta aberta)

          Tem dias que eu fico só parado. O trabalho não rende a cabeça não pensa e nem o sono predomina. Tem dias que eu fico sem pensar em nada. O problema é que isto incomoda – e não pouco – posto que a mente tenha o momento certo para ser esvaziada. O predomínio deste sentido causa uma espécie de vazio, cujo objetivo é apenas flutuar rumo ao nada.
         Então acorda, pois não é chegada a hora de descansar! Brada a sentinela, munido de megafones e suspeitas mil. Então acorda! Abre os olhos para o mundo que ainda não se findou.
         Mas os olhos, pesados, não querem ver o que se passa. O despertar sempre cobra o seu preço, e esse nunca é de miséria. O preço do despertar é o esclarecimento, que por sua vez é inversamente proporcional à realidade que se mostra. Quanto melhor o quadro que se vê, menor a preocupação e o sossego nos é dado como prêmio. Quanto pior a situação, maior a preocupação e os temores vem invadir seus sonhos; as noites não são mais as mesmas.
         Falando assim, parece que tudo está no seu devido lugar, entretanto, vale ressaltar que só se enxerga o quadro como se deve, se mantiver um senso extremamente crítico e os olhos bem abertos para as qualidades e defeitos do mesmo. Karl Marx disse certa vez que a religião é o ópio do povo. Eu porém, digo que o ópio do povo é a pura inocência que clareia a alma. Só se é realizado quando não se ouve o clamor que brota das grandes massas.
         Hoje eu comecei a ler uma obra antiga do escritor português José Saramago. O livro se chama Levantado do Chão. Sentei para iniciar a leitura e percebi uma nota no canto da página que dizia: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para se produzir um rico?”
         Essa frase foi escrita por Almeida Garrett, um escritor português do final do século XVIII na obra intitulada: Viagens na minha terra. Garrett externou o que há muito estava sufocado na minha garganta e que certamente não conseguiria expressar. Fica aqui meu sincero agradecimento.
         Ao ler essa frase, fui tomado por um tsunami de emoções (minha mãe vai me lembrar do quanto sou exagerado) que me varreu os pensamentos por horas. Fiquei inerte, sentado na minha cadeira, fitando a capa do livro, esperado que os sentidos fosse naturalmente restabelecidos, e agora, tento dizer um pouco do que significou para mim esta experiência.
         Faça uma reflexão. Entre todas as pessoas que compõem a ala mais estreita do seu círculo social... Quantas já desistiram de fazer algo para mudar, mesmo que pouco, o mundo no qual vivemos? Das poucas que você se recorda (se houver alguma), quantas pensam que a mudança é possível mas não tem um ponto de partida, ou tão somente creem mas não pretendem fazer algo a respeito? Se por fim, houver alguém determinado a fazer diferença no seu círculo social, junte essa pessoa à pessoa que eu selecionei no meu grupo (inacreditavelmente, é no singular mesmo!), e vai perceber... Temos a sociedade que merecemos.
         Ao fazer esse exercício, você vai provavelmente pensar: se há tão poucas pessoas procurando um mundo melhor, será que vale a pena lutar por ele? Será que vale a pena ser encarado como uma aberração social, como um lunático qualquer por querer um mundo melhor?
         Sim, sim, sim e mil vezes sim! O meu mundo melhor não é para mim e sim para todos. No nosso mundo melhor, não haverá mais essa disputa desenfreada pela auto-afirmação e pela destruição dos sonhos alheios. No mundo melhor, as pessoas serão respeitadas pelo que são e as individualidades que nos marcam serão vistas como patrimônio sociocultural. Utopia, delírio juvenil e idealista? Talvez. Eu resolvi pagar pra ver.


         Obs.: André, essa batalha é nossa. Jamais se deixe abater. O gigante antisocial intimida, ameaça, fere... Contudo, o gigante só enxerga o que é espelho. Sigamos em frente, convictos de que é necessário olhar pra frente sem deixar de olhar ao redor. É preciso que homens como você mostrem que há esperança para aqueles que acreditam num futuro melhor. É surfar na crista da onda sem se deixar molhar.






          Raphael Mota



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